Para que cada um contribua para o bem comum e para a edificação de uma sociedade que ponha no seu centro a pessoa humana.

[…] Hoje, a promoção dos direitos humanos ocupa um papel central no empenho da União Europeia que visa promover a dignidade da pessoa, tanto no âmbito interno como nas relações com os outros países. Trata-se de um compromisso importante e admirável, porque persistem ainda muitas situações onde os seres humanos são tratados como objectos, dos quais se pode programar a concepção, a configuração e a utilidade, podendo depois ser jogados fora quando já não servem porque se tornaram frágeis, doentes ou velhos.

Realmente que dignidade existe quando falta a possibilidade de exprimir livremente o pensamento próprio ou professar sem coerção a própria fé religiosa? Que dignidade é possível sem um quadro jurídico claro, que limite o domínio da força e faça prevalecer a lei sobre a tirania do poder? Que dignidade poderá ter um homem ou uma mulher tornados objecto de todo o género de discriminação? Que dignidade poderá encontrar uma pessoa que não tem o alimento ou o mínimo essencial para viver e, pior ainda, que não tem o trabalho que o unge de dignidade?

Promover a dignidade da pessoa significa reconhecer que ela possui direitos inalienáveis, de que não pode ser privada por arbítrio de ninguém e, muito menos, para benefício de interesses económicos.
É preciso, porém, ter cuidado para não cair em alguns equívocos que podem surgir de um errado conceito de direitos humanos e de um abuso paradoxal dos mesmos. De facto, há hoje a tendência para uma reivindicação crescente de direitos individuais – sinto-me tentado a dizer individualistas –, que esconde uma concepção de pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico, quase como uma «mónada» (μονάς) cada vez mais insensível às outras «mónadas» ao seu redor. Ao conceito de direito já não se associa o conceito igualmente essencial e complementar de dever, acabando por afirmar-se os direitos do indivíduo sem ter em conta que cada ser humano está unido a um contexto social, onde os seus direitos e deveres estão ligados aos dos outros e ao bem comum da própria sociedade.

Por isso, considero que seja mais vital hoje do que nunca aprofundar uma cultura dos direitos humanos que possa sapientemente ligar a dimensão individual, ou melhor pessoal, à do bem comum, àquele «nós-todos» formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social[3]. Na realidade, se o direito de cada um não está harmoniosamente ordenado para o bem maior, acaba por conceber-se sem limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte de conflitos e violências.

Assim, falar da dignidade transcendente do homem significa apelar para a sua natureza, a sua capacidade inata de distinguir o bem do mal, para aquela «bússola» inscrita nos nossos corações e que Deus imprimiu no universo criado[4]; sobretudo significa olhar para o homem, não como um absoluto, mas como um ser relacional. Uma das doenças que, hoje, vejo mais difusa na Europa é a solidão, típica de quem está privado de vínculos. Vemo-la particularmente nos idosos, muitas vezes abandonados à sua sorte, bem como nos jovens privados de pontos de referência e de oportunidades para o futuro; vemo-la nos numerosos pobres que povoam as nossas cidades; vemo-la no olhar perdido dos imigrantes que vieram para cá à procura de um futuro melhor.

Uma tal solidão foi, depois, agravada pela crise económica, cujos efeitos persistem ainda com consequências dramáticas do ponto de vista social. Pode-se também constatar que, no decurso dos últimos anos, a par do processo de alargamento da União Europeia, tem vindo a crescer a desconfiança dos cidadãos relativamente às instituições consideradas distantes, ocupadas a estabelecer regras vistas como distantes da sensibilidade dos diversos povos, se não mesmo prejudiciais. De vários lados se colhe uma impressão geral de cansaço, de envelhecimento, de uma Europa avó que já não é fecunda nem vivaz. Daí que os grandes ideais que inspiraram a Europa pareçam ter perdido a sua força de atracção, em favor do tecnicismo burocrático das suas instituições.

A isto vêm juntar-se alguns estilos de vida um pouco egoístas, caracterizados por uma opulência actualmente insustentável e muitas vezes indiferente ao mundo circundante, sobretudo dos mais pobres. No centro do debate político, constata-se lamentavelmente a preponderância das questões técnicas e económicas em detrimento de uma autêntica orientação antropológica[5]. O ser humano corre o risco de ser reduzido a mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo a ser utilizado, de modo que a vida – como vemos, infelizmente, com muita frequência –, quando deixa de ser funcional para esse mecanismo, é descartada sem muitas delongas, como no caso dos doentes, dos doentes terminais, dos idosos abandonados e sem cuidados, ou das crianças mortas antes de nascer.

É o grande equívoco que se verifica «quando prevalece a absolutização da técnica»[6], acabando por gerar «uma confusão entre fins e meios»[7], que é o resultado inevitável da «cultura do descarte» e do «consumismo exacerbado». Pelo contrário, afirmar a dignidade da pessoa significa reconhecer a preciosidade da vida humana, que nos é dada gratuitamente não podendo, por conseguinte, ser objecto de troca ou de comércio. Na vossa vocação de parlamentares, sois chamados também a uma grande missão, ainda que possa parecer não lucrativa: cuidar da fragilidade, da fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, luta e fecundidade no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à «cultura do descarte». Cuidar da fragilidade das pessoas e dos povos significa guardar a memória e a esperança; significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de dignidade[8].

Mas, então, como fazer para se devolver esperança ao futuro, de modo que, a partir das jovens gerações, se reencontre a confiança para perseguir o grande ideal de uma Europa unida e em paz, criativa e empreendedora, respeitadora dos direitos e consciente dos próprios deveres?

Para responder a esta pergunta, permiti-me lançar mão de uma imagem. Um dos mais famosos afrescos de Rafael que se encontram no Vaticano representa a chamada Escola de Atenas. No centro, estão Platão e Aristóteles. O primeiro com o dedo apontando para o alto, para o mundo das ideias, poderíamos dizer para o céu; o segundo estende a mão para a frente, para o espectador, para a terra, a realidade concreta. Parece-me uma imagem que descreve bem a Europa e a sua história, feita de encontro permanente entre céu e terra, onde o céu indica a abertura ao transcendente, a Deus, que desde sempre caracterizou o homem europeu, e a terra representa a sua capacidade prática e concreta de enfrentar as situações e os problemas.

O futuro da Europa depende da redescoberta do nexo vital e inseparável entre estes dois elementos. Uma Europa que já não seja capaz de se abrir à dimensão transcendente da vida é uma Europa que lentamente corre o risco de perder a sua própria alma e também aquele «espírito humanista» que naturalmente ama e defende.

É precisamente a partir da necessidade de uma abertura ao transcendente que pretendo afirmar a centralidade da pessoa humana; caso contrário, fica à mercê das modas e dos poderes do momento. Neste sentido, considero fundamental não apenas o património que o cristianismo deixou no passado para a formação sociocultural do Continente, mas também e sobretudo a contribuição que pretende dar hoje e no futuro para o seu crescimento. Esta contribuição não constitui um perigo para a laicidade dos Estados e para a independência das instituições da União, mas um enriquecimento. Assim no-lo indicam os ideais que a formaram desde o início, tais como a paz, a subsidiariedade e a solidariedade mútua, um humanismo centrado no respeito pela dignidade da pessoa.

DISCURSO AO PARLAMENTO EUROPEU
PAPA FRANCISCO
25 de Novembro de 2014

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Comentário

«Rezemos pelos governantes para que nos governem bem»

Um bom cristão participa activamente na vida política e reza para que os políticos amem o próprio povo e o sirvam com humildade. Foi a reflexão proposta pelo Papa Francisco nesta manhã de segunda-feira, 16 de Setembro, durante a missa celebrada na capela de Santa Marta.

Comentando o trecho do evangelho de Lucas (7, 1-10) no qual é narrada a cura, por obra de Jesus, do servo do centurião em Cafarnaum, o Pontífice realçou «duas atitudes do governante». Antes de tudo, «deve amar o seu povo. Os anciãos judeus dizem a Jesus: ele merece o que pede porque ama o nosso povo. Um governante que não ama não pode governar. No máximo, pode pôr um pouco de ordem mas não pode governar». […]

Para o Papa Francisco o governante deve ser também humilde como o centurião do Evangelho, que teria podido orgulhar-se do seu poder, se Jesus lhe tivesse pedido para ir ter com ele, mas «era um homem humilde e disse ao Senhor: não te preocupes, não sou digno que entreis em minha casa. E com humildade: diz uma palavra e o meu servo será curado. Estas são as duas virtudes de um governante, tal como nos faz pensar a palavra de Deus: amor ao povo e humildade».

Portanto, «cada homem e mulher que assume a responsabilidade de governo deve formular estas duas perguntas: amo o meu povo para o servir melhor? E sou humilde para ouvir as opiniões dos outros a fim de escolher a estrada melhor?». Se eles – realçou o Pontífice – «não se fizerem estas perguntas, o seu governo não será bom». […]

A propósito o Santo Padre notou que a televisão e os jornais só mostram críticas negativas dos políticos: dificilmente se encontram observações como «este governante deste modo comporta-se bem; este governante tem esta virtude. Errou nisto, nisto e nisto, mas nisto acertou». Ao contrário, dos políticos fala-se «sempre mal e é-se contra eles. Talvez o governante seja um pecador, como o foi David. Mas devo colaborar, com a minha opinião, com a minha palavra e também com a minha correcção: não concordo com isto. Devemos participar no bem comum. Às vezes ouvimos dizer: um bom católico não se interessa de política. Mas não é verdade: um bom católico participa na política oferecendo o melhor de si para que o governante possa governar». […]

«Rezemos pelos governantes – concluiu o Papa Francisco – para que nos governem bem. Para que levem a nossa pátria, a nossa nação para a frente, e também o mundo; e que haja paz e bem comum. Esta palavra de Deus nos ajude a participar melhor na vida comum de um povo: quantos governam, com o serviço da humildade e com o amor; os governados, com a participação, e sobretudo com a oração».

MEDITAÇÕES MATUTINAS
PAPA FRANCISCO
16 de Setembro de 2013

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